O exame chamado FAN (fator antinuclear) é um teste realizado com o sangue do paciente. Uma gotinha do soro diluído do sangue do paciente é colocada no microscópio, para verificar se ele reage contra células humanas. Quando isso acontece, as células ficam marcadas com um composto fluorescente, e essa imagem fluorescente vista ao microscópio permite identificar que o paciente tem então “anticorpos” contra alvos nas próprias células humanas: os chamados “autoanticorpos”.
Os anticorpos são moléculas produzidas por nossas células de defesa (chamadas de linfócitos, células alojadas nos linfonodos) que servem para atacar micro-organismos invasores (vírus e bactérias), e assim protegem nosso corpo contra doenças “externas”.
No entanto, algumas doenças “internas” do nosso organismo aparecem porque, por alguma falha de regulação deste sistema de defesa (nosso sistema imunológico), os linfócitos produzem anticorpos que dirigem um ataque contra células e órgãos do nosso próprio corpo. São as chamadas doenças autoimunes – há várias, sendo que o lúpus eritematoso sistêmico é um exemplo bem conhecido. Estas doenças podem ser graves e exigir um tratamento contínuo que reduz nossa imunidade, chamado de tratamento “imunossupressor”.
Mas todos nós, em maior ou menor grau, acabamos produzindo anticorpos que reagem contra nossas próprias células. Às vezes estes autoanticorpos servem apenas para reconhecer células próprias do organismo, mas não fazem reação contra elas. São as chamadas respostas de “tolerância” – ou seja, aparecem em pessoas completamente saudáveis.
Então, quando uma pessoa faz o exame de FAN e o resultado vem positivo, não significa ainda que a paciente tenha alguma doença. É preciso interpretar o resultado deste exame junto ao conhecimento dos sintomas e sinais que a pessoa esteja apresentando e junto a outros exames, para saber se o resultado do FAN deve ser valorizado ou não.
O exame de FAN não vem apenas com a informação “positivo” ou “reagente”. Ele traz duas outras informações:
- O seu “título”, que significa “diluição”. Isto é, ao pingar uma gotinha do soro extraído do sangue do paciente nas células humanas para fazer o exame, na verdade esta gota é diluída sucessivas vezes em soro fisiológico puro. Se aparecer fluorescência nas células mesmo quando o soro do paciente é diluído muitas vezes, significa que ele tem autoanticorpos em concentração muito alta! Quanto mais alto o título do resultado do exame, maior a concentração de autoanticorpos no indivíduo e maior a chance de este resultado estar associado a doença. O menor título divulgado pelos laboratórios é 1/80 (significa que o a diluição é uma parte de soro do paciente para 80 partes de volume total em soro fisiológico). Neste título, a maioria dos exames de FAN positivos na verdade aparecem em pessoas saudáveis! Na medida que o título aumenta (1/160, 1/320, 1/640, 1/1.280), é cada vez maior a chance de doença autoimune estar presente (mas mesmo assim, nem sempre).
- Não basta a informação do título. O “desenho” que a fluorescência forma nas células também dá informação importante e esse dado aparece descrito no resultado do exame. Se o FAN vem positivo indicando que a fluorescência se concentrou no núcleo das células, formando um padrão “pontilhado grosso”, há maior chance deste resultado estar associado ao lúpus. Já se o padrão da fluorescência estiver no núcleo com aspecto “pontilhado fino denso”, temos mais provavelmente uma pessoa saudável. Há dezenas de padrões de FAN, e a distinção entre eles não é fácil! Reside aí a importância do exame ser feito em laboratório de qualidade e por profissional experiente na microscopia!
Com todas as informações do FAN (título e padrão), o médico raciocinará juntando várias pistas. Apenas um exemplo: O paciente tem dor nas articulações? Se tem, há características de inflamação nesta dor articular? Caso sim, é mais provável que a dor inflamatória seja provocada por doença autoimune, numa pessoa com FAN positivo. Mas se a dor articular tiver características apenas de “desgaste” das articulações (a chamada “artrose”), um exame de FAN positivo pode ser apenas um exame “inocente”, não relacionado ao sintoma de dor. Há milhares de informações clínicas que o médico deve obter entrevistando e examinando o paciente, para concluir se um exame de FAN deve ser valorizado ou não!
Em casos mais simples, o médico generalista / clínico geral consegue avaliar esta situação com segurança. Mas muitas vezes, devido à complexidade das doenças autoimunes, o reumatologista deve ser consultado para uma avaliação mais segura. E mesmo o especialista, em algumas situações, precisará acompanhar o paciente por algumas consultas, até formar a sua certeza sobre o caso: se há ou não doença autoimune associada a este exame de FAN que veio “positivo”.
Fabricio de Souza Neves – médico reumatologista, membro da Sociedade Catarinense de Reumatologia – CRM/SC 9846 ; RQE 6180