Desde o surgimento dos primeiros casos de COVID-19, em dezembro de 2019, as comunidades médicas e científicas ao redor do mundo vêm se deparando com diferentes formas de apresentação da infecção pelo “novo coronavírus”.
Até o momento sabemos que a pandemia causada pelo Sars-Cov-2 tem impacto mais grave em pacientes adultos, especialmente aqueles com mais de 60 anos de idade, portadores de doenças associadas como hipertensão arterial, diabetes, asma brônquica, obesidade, tabagismo e doenças com imunossupressão. A grande maioria das crianças infectadas, por sua vez, apresenta sintomas leves e transitórios da doença, sendo raras as formas graves nesta faixa etária.
Desde o mês de abril deste ano, no entanto, um número crescente de casos com evolução atípica vem sendo descrito em crianças. São pacientes entre 1 a 16 anos que desenvolveram um quadro inflamatório multissistêmico grave, com manifestações clínicas semelhantes às que ocorrem em uma outra doença, chamada Síndrome de Kawasaki.
A Síndrome de Kawasaki é uma vasculite pediátrica aguda rara, que pode se manifestar com febre, lesões de pele e mucosas, aumento dos linfonodos, e tem como principal complicação o acometimento das artérias coronárias, podendo levar a disfunção cardíaca e, em casos mais graves, até mesmo à morte.
Os primeiros casos desta Síndrome Inflamatória Sistêmica associada ao coronavírus foram descritos na Europa e, mais recentemente, outros países começaram a relatar ocorrências semelhantes. Muitas das crianças acometidas necessitaram de internação hospitalar e algumas delas, inclusive, de suporte intensivo em UTI, em função da gravidade das manifestações clínicas. Os sintomas mais frequentemente descritos foram febre persistente, lesões de pele e mucosas, conjuntivite, queixas gastrointestinais (diarréia, vômito, dores abdominais), hipotensão e choque. Curiosamente os sintomas respiratórios típicos da COVID-19 podem estar ausentes no momento da instalação deste quadro.
Até o momento não há um completo entendimento dos mecanismos que levam ao desenvolvimento da Síndrome Inflamatória Multissisêmica Pediátrica, mas parece tratar-se de uma manifestação de origem imunológica, ocasionada provavelmente por ativação excessiva do sistema imune do paciente. Os tratamentos que vêm sendo empregados nestes casos têm como objetivo atenuar a magnitude da resposta inflamatória, levando à melhora dos sintomas e ao reestabelecimento das funções orgânicas.
Embora estes casos descritos tragam preocupação, é importante reforçar que estas ocorrências foram raras até o momento e a maioria das crianças com infecção pelo Sars-Cov-2 segue evoluindo de forma favorável, com sintomas leves e resolução espontânea.
Dr Roberto Haendchen Bento
CRM 22144 RQE 13042
Médico reumatologista, membro da Sociedade Catarinense de Reumatologia